Da esquina ouvia-se um riso gostoso de alegria. Aquele riso pré-gargalhada que damos quando estamos muito felizes. Aquela demonstração de contentamento que ouvimos dos bebês quando sopramos suas barrigas macias e o ar escapa por nossas bochechas, como pequenas flatulências. Tinha certeza de que ouvia aquele risinho que soltamos quando ganhamos o melhor dos presentes.
Foi tão contagiante que quis logo descobrir de onde vinha. Era uma alegria cúmplice. Eu mesmo havia aberto um sorriso, lembrando-me das peraltices da adolescência; das brincadeiras com meus irmãos e das jabuticabeiras de minha infância para as quais corríamos e colhíamos os frutos misteriosos.
Dei uns trinta passos e vi a alegria estampada no rosto de uma garotinha de uns sete anos. No silêncio de quase 22h da Rua João Pessoa, ela tomava espaço, corria e subia nas costas do pai. Ele, um catador de papelão, carregava o carrinho e brincava com a filha enquanto a esposa amarrava o fardo de papelão de seu veículo, balançando a cabeça, como quem diz: "vocês dois vivem felizes com quase nada".
Tão envolvidos que estavam naquele entretenimento que nem me viram aproximar-se. Ao me ver, tirou a filhinha das costas e a pôs no colo. Ela, envolvida com o afago paterno, continuava brincando com a barba do pai, quase derrubando seus óculos.
Colocou-a no chão. Beijou-lhe a cabeça e deu-lhe uma palmadinha nas costas. A mãe pegou seu carrinho e seguiu o caminho subindo a rua. O pai tomou também o seu e acompanhou a esposa. Não havia cães para ladrar enquanto aquela caravana da (des)ilusão caminhava rumo ao desconhecido.
Eu, que fingira ter fechado a porta e entrado, voltei a abrir e a acompanhar com meus olhos esperançosos e invejosos aquela família que vivia de revirar o que as lojas deixavam como lixo. Tenho quase certeza de que são mais felizes do que aqueles que descartaram o que não servia mais.
Fiquei a pensar nas palavras do Padre Antônio Vieira: "Quem são os ricos neste mundo? Os que têm muito? Não; porque quem tem muito deseja mais, e quem deseja mais, falta-lhe o que deseja, e essa falta o faz pobre”.
Apenas os que amam são felizes com migalhas. Eu, com tanto mais que eles, duvidei se teria uma felicidade pura e fugaz como aquela, mesmo que dure a efemeridade de me deixar invejoso. “O amor encurta o tempo”, como dizia o religioso. Pensei na minha forma de diminuir o tempo, pois tempus fugit.
Perfeito!
ResponderExcluirAda Guedes
Texto que emociona.
ResponderExcluirzélio, não sei as lágrimas são de inveja ou gratidão. a ti, pelo texto e sensibilidade. à família, por saber ser feliz...
ResponderExcluirabraço de sempre!
Nossa amigo, me emocionei! Lindo texto! Bateu saudades do meu bb e do meu amor. =/
ResponderExcluirParabens pelo texto, belissimo!
ResponderExcluirQue lindo...simplesmente amei...A felicidade me remete a idéia de paz de espírito um outro tipo de realidade social que poucos conseguiram...
ResponderExcluirQue belo texto! Emociona!!
ResponderExcluirGrande texto meu nobre Zelio, muito emocionante a forma como você narrou o que viu. Será que temos a felicidade que muitas vezes dizemos ter? eis ai a demostração da verdadeira felicidade. Um forte abraço
ResponderExcluiratt
Wesley Cavalcante Cruz