domingo, janeiro 22, 2012

Confundido com um pastor


O uso de terno e gravata não é comum no interior. Mesmo que as pessoas imitem o modo de vida das grandes cidades, a forma de vestir dos moradores de pequenas cidades é simples. O padrão do cotidiano é chinelo e bermuda ou o velho e bom jeans e camiseta, mesmo para se trabalhar. Como não há empresas privadas com executivos formais ou repartições públicas e suas roupas litúrgicas, quem usa esse tipo de roupa ganha logo destaque: ou é advogado, político ou pastor evangélico.

Com o fenômeno das igrejas pentecostais e neopentecostais chegando às pequenas localidades, o vestuário masculino composto de calça, paletó e, às vezes, colete do mesmo tecido e cor, mesmo as pessoas não sabendo bem combiná-las em corte, cores e tamanhos adequados aos corpos. Por o evangélico ter um comportamento próprio, deduz-se ser um membro de uma dessas igrejas pela vestimenta.

Porém, em certas formalidades, os homens vestem-se de terno: alguns por o acharem elegante, ficarem parecidos com um “deputado” ou galã, mesmo correndo o risco de ser confundido com um adepto do luteranismo; outros devido às namoradas ou esposas exigirem, pois acham que o look ficaria desequilibrado – elas muito elegantes, com seus vestidos de festa, suas bolsas douradas de mão e eles de jeans e camiseta.

Ontem, fui testemunha de um casamento em minha cidade natal. Como reza a tradição e a ocasião exige, abri meu armário e peguei a roupa que menos uso em meu dia a dia, o bendito terno. Parte protocolar na igreja recepção concluída, fomos para o clube da cidade. Festa terminada, dirigimo-nos, um amigo e eu, à casa de minha irmã, onde estávamos hospedados. Do local da recepção até sua casa não passa de 1 km. Como é uma cidade pequena e não há violência, subimos a pé.

Umas 20 casas após o prédio da igreja Assembleia de Deus e uns trinta metros do cemitério municipal, vimos um vulto que se aproximava de nós. Em meio àquelas névoas pré-garoa, típicas do período chuvoso, vemos aquele ser branco vindo em nossa direção. Ao chegarmos mais perto percebemos que era um senhor com aproximadamente 50 anos, bêbado como um gambá. De longe, estendendo a mão, foi dizendo: “Boa noite, bom dia”, com a voz trôpega a imitar seus movimentos. Não o reconheci, mesmo assim o cumprimentei educadamente.

Ele chegou mais próximo, viu-nos no claro e percebeu que eu estava de terno. Num meneio solene de corpo, entre a desculpa e a ironia, olhou para mim e soltou: “Aleluia, irmão”. Não demonstrei o sorriso, mas saí quase gargalhando com a cena. Certamente ele pensou que deveríamos vir de um evento religioso na igreja e não da parte profana de uma comemoração de núpcias. Assim são as cidades pequenas: espontâneas e nos surpreendendo sempre.

sábado, janeiro 21, 2012

Uma foto e uma caminhada


Ela estava tentando enquadrar, num plano aberto, o novo Museu do Artista Popular e a antiga chaminé do Curtume dos Motta, Parque da Criança. Tentava registrar com sua câmera profissional como Campina Grande ainda registrava o antigo e o moderno. O curso de Arte e Mídia havia ampliado sua visão de mundo. Gostava de fotografar o cotidiano, mas de ângulos que outros não percebem. Depois montava e remontava essas imagens como se fossem peças lego; outras nem mexia, deixava como eram.

Aquela foto surgira por acaso. Na verdade, vinha de uma caminha frustrada no Parque da Criança. Tentou estacionar lá, mas não havia vaga. Pensou em ir para casa terminar o trabalho que começaram ainda no início das férias. Pegou o carro e, quando passava em frente ao Regina Coeli, teve a ideia da foto. A bela sombra que o novo prédio formava no espelho d’água era um convite. Precisava registrar aquilo, pois o sol começa a descer atrás da Decorama, pintando o céu de rubro.

Primeira ideia foi fotografar o monumento em contraplongé, vendo a cena de baixo, pegando a base de um dos cilindros com um prédio ao fundo, aquele que fica ao Lado do Parque da criança. Afastou-se um pouco do objeto e enquadrou perfeitamente a cena descrita no início do texto. Enquanto colocava a câmera no case, ouviu o chiar de pedrinhas atrás dela. Tomou um susto, receosa de ser um possível assaltante. Viu um sorriso amigável e encantador.

 “Assim como Niemeyer, gosto da leveza das curvas e seus contornos. Prefiro uma arquitetura curvilínea à coisa reta, ossuda e exageradamente alongada dos prédios neoclássicos do Catolé. Eles deixam todas as cidades com a mesma cara. Veja a diferença entre esse prédio e o da FIEP. Os dois são em concreto armado, mas esse tem charme, o charme das curvas, é como uma mulher com seus cabelos esvoaçantes, deixando o vento passar, nada estanque”. Ouvira aquilo como se fosse uma aula de estética.

Ela achou aquilo interessante, mesmo com alguns quilos a mais, achou charmosa a descrição das curvas. Sentiu-se uma obra de Niemeyer, pena não passar uma suave brisa para esvoaçar seus cabelos recém-lavados. Há tempos vinha se sentido um quadro de Fernando Brotero. Sabia que era certo exagero.  A verdade é que havia ganhado uns quilinhos, mas qual a mulher que não se acha gorda?  Apenas riu. Nossa! Se ele soubesse que aquelas curvas ficavam mais belas ao som do Derbake.

Ele disse que também gostava de fotografar e, em seus 28 anos, já havia viajado esse país e feito belas imagens, desde as terras ressequidas do semiárido aos rios caudalosos do Amazonas. Dessa vez, ela riu um sorriso tímido com o rosto ruborizado, se perguntassem se estava corada diria que era o reflexo de seu cabelo rubro. Um fotógrafo profissional, Caramba! Tinha um quê de encanto naquele homem; não sabia dizer o que era. Queria continuar conversando com ele. Recolheu a máquina. Ele percebeu o modelo e o fabricante.

Lá estava tentando enquadrar, num plano aberto, o novo Museu do Artista Popular e a antiga chaminé do Curtume dos Motta, Parque da Criança. Tentava registrar com sua câmera profissional como Campina Grande ainda registrava o antigo e o moderno. O curso de Arte e Mídia havia ampliado sua visão de mundo. Gostava de fotografar o cotidiano, mas de ângulos que outros não percebem. Depois montava e remontava essas imagens como se fossem peças de lego; outras nem mexia, deixava como eram.

 Aquela foto surgira por acaso. Na verdade, vinha de uma caminhada frustrada no Parque da Criança. Tentou estacionar lá, mas não havia vaga. Pensou em ir para casa terminar o trabalho que começaram ainda no início das férias. Pegou o carro e, quando passava em frente ao Regina Coeli, teve a ideia da foto. A bela sombra que o novo prédio formava no espelho d’água era um convite. Precisava registrar aquilo, pois o sol começa a descer atrás da Decorama, pintando o céu de rubro.

A primeira ideia foi fotografar o monumento em contraplongée, vendo a cena de baixo, pegando a base de um dos cilindros com um prédio ao fundo, aquele que fica ao lado do Parque da criança. Afastou-se um pouco do objeto e enquadrou perfeitamente a cena descrita no início do texto. Enquanto colocava a câmera no case, ouviu o chiar de pedrinhas atrás dela. Tomou um susto, receosa de ser um possível assaltante. Viu um sorriso amigável e encantador.

 “Assim como Niemeyer, gosto da leveza das curvas e seus contornos. Prefiro uma arquitetura curvilínea à coisa reta, ossuda e exageradamente alongada dos prédios neoclássicos do Catolé. Eles deixam todas as cidades com a mesma cara. Veja a diferença entre esse prédio e o da FIEP. Os dois são em concreto armado, mas esse tem charme, o charme das curvas, é como uma mulher com seus cabelos esvoaçantes, deixando o vento passar, nada estanque”. Ouvira aquilo como se fosse uma aula de estética.

 Ela achou aquilo interessante, mesmo com alguns quilos a mais, achou charmosa a descrição das curvas. Sentiu-se uma obra de Niemeyer, pena não passar uma suave brisa para esvoaçar seus cabelos recém-lavados. Há tempos vinha se sentindo um quadro de Fernando Brotero. Sabia que era certo exagero.  A verdade é que havia ganhado uns quilinhos, mas qual a mulher que não se acha gorda?  Apenas riu. Nossa! Se ele soubesse que aquelas curvas ficavam mais belas ao som do Derbake.

Ele disse que também gostava de fotografar e, em seus 28 anos, já havia viajado esse país e feito belas imagens, desde as terras ressequidas do semiárido aos rios caudalosos do Amazonas. Dessa vez, ela riu um sorriso tímido com o rosto ruborizado, se perguntassem se estava corada diria que era o reflexo de seu cabelo rubro. Um fotógrafo profissional, Caramba! Tinha um quê de encanto naquele homem; não sabia dizer o que era. Queria continuar conversando com ele. Recolheu a máquina. Ele percebeu o modelo e o fabricante.

Em outros tempos seriam rivais. Ele era Nikon; ela Canon. Riu e pensou que o tempo de “Eduardo e Mônica” já havia passado. Mesmo assim, quis descobrir se ela também gostava de magia e meditação. O que mais ela fazia? O mais velho era ele, e moreno, um bom contraste! Então, ela que seria sua “Eduarda”, mas com aquela forma de segurar a câmera e o jeito que a vira enquadrar a imagem ele deduzira que ela não era principiante. Mas o que dizia para puxar conversa e saber mais dela?

Pensou consigo mesmo que aquele cabelo vermelho e aquela tatuagem demonstravam que era uma pessoa de atitude. De personalidade forte. Gostava de mulheres de personalidade. Gostava de cabelos vermelhos e curvas. Verdade seja dita que, como fotógrafo, até tinha registrado magérrimas bonitas, mas preferia as curvilíneas.  Gostava até de suas mãos. Como adorava caminhar, percebeu que ela estava com roupas de caminhada. Ele frequentava Tenebra, gostava de Olinda, música alternativa, será que ela curtia esses lugares? Pensou, pensou e emendou:

“Campina é uma cidade movediça. Está sempre mudando. Lembro-me como se fosse hoje. Vim pegar meu cartão de inscrição do vestibular aqui, no Clube das Acácia, onde hoje fica o solar das Acácias. Aqui onde estamos era o antigo Complexo 5, sabia? Era uma visão interessante da cidade. Nossa, estou ficando velho, sentindo saudade do passado. É que Campina é a cidade do foi. Olhamos para um lugar e dizemos, aqui foi o Miúra, aqui era o Bar e Arte, aqui era isso era aquilo”. Não sabia por que tinha dito aquilo, mas fizera efeito.

Ela achou aquilo lindo. Um homem que fala apenas de academia, de carro... e, principalmente, gosta de curvilíneas. Era interessante pensar que ela não estava acima do peso, era curvilínea como as obras de Niemeyer. Gostava disso, soava charmoso.

 Sem ter muito que falar, disse que sabia sobre o Clube das Acácias, pois seu pai era maçom e falava muito desse lugar. Aproximaram-se da borda do Açude e sentaram-se. Não houve convite para sentar-se. Foi automático. A primeira coisa que olhou, para disfarçar o olhar, foi para seu tênis preto. Então disse: “A fim de uma caminhada?”.

Ela foi até ao carro, colocou a câmera no porta-malas. Ao fechá-lo, ele viu o adesivo do Curso de Arte Mídia. “Sabia que era minha primeira opção de curso, mas acabei fazendo Direito, meus pais, sabe como é... Depois que me graduei descobri que não é isso que queria fazer, meu lance era fotos. Campanhas publicitárias, fotografia de aventuras. Isso me deu dinheiro, uma vida tranquila e meus pais desencanaram e me deixaram ser feliz. É isso que quero: apenas ser feliz.”

Eles não sabiam para que lado começar, se horário ou anti-horário, pouco se lhes dava, o que mais importava mesmo era o que conversariam durante o percurso.

 A coisa que mais chamou a atenção dela foi a forma carinhosa e rápida que ele a afastou da ciclovia para que um senhor não a atropelasse, estavam em frente ao Instituto São Vicente de Paulo, onde estudou sua infância inteira.

 Ele a convidou para conhecer a fonte redonda na qual atirava pedrinhas, fingindo serem moedas, e fazia os pedidos mais loucos, por exemplo, pediu quatro vezes para ser Jiraya, o ninja. Lembrou-se também, na quarta série, quando se apaixonou pela primeira vez e roubou uma margarida do jardim. Quando ia entregá-la a sua amada, Irmã Bernadete, achava que esse era seu nome, repreendeu-o, o que o fez paralisar. Riram bastante. Estava encantada com aquele homem. Nossa, no primeiro encontro ele já havia contado tantas coisas sobre ele.

Já era noite. Olharam para uma aureola iluminada de uma santa, que não sabiam bem quem era, e leram os dizeres em uma plaquinha: “Sua chegada nos alegra; sua presença nos fala de Deus”. Ele achou aquilo tudo muito metafórico. Continuaram caminhando.

Quando chegaram à lateral do Parque da Criança perceberam, automaticamente, uma foto que nunca viram: a foto do Museu com o viaduto como pano de fundo. Aquilo era mais metafórico que a plaquinha.

Será que isso queria dizer alguma coisa? Um viaduto é uma passagem, uma ponte. O que essa ponte estava a dizer para os dois: passar por uma transformação em suas vidas? Trocaram telefones e decidiram se encontrar. Como não tem filme do Godard passando, o Parque da Criança, local das caminhadas dela,  pode ser um bom local.

sábado, janeiro 07, 2012

Liquidação e sexo não combinam







Quem conhece Campina Grande e sua história sabe que a Rainha da Borborema vive do comércio. Algumas ruas do centro são características por determinados “produtos”. A Rua João Pessoa é sui generis pelos diferentes comércios que oferece. Quem passa pela rua em diferentes horários sabe do que estou falando.

Famosa pela grande quantidade de lojas e produtos oferecidos, a rua tem um comércio bem intenso. Às oito horas as lojas abrem suas portas e fecham a partir das 17h. Quando a noite inicia, os funcionários começam a colocar o lixo para fora.

Enquanto as ruas vão ficando às escuras, o lixo é tirado e os catadores vêm recolher o que pode ser reciclado, um novo comércio toma as esquinas da rua: a prostituição. A área é dominada por travestis, da esquina da Marques do Herval a Índios Cariris. Há noites que são mais de 10. Carros e mais carros param, levam “as meninas” e deixam-nas novamente. Não são apenas carros populares.

Esse movimento vai até perto das cinco horas, momento em que os garis começam a varrer o lixo que sobrou. Depois disso, o comércio legal volta a reinar e segue seu ciclo Ad infinitum. Para quem mora na parte citada da rua, quando o comércio do sexo está animado é sinal que a rua está segura. Não se tem medo de assaltos. As travestis respeitam os moradores. Estão ali a trabalho.

No entanto, nesta quinta-feira, tudo foi diferente. Uma loja de eletroeletrônicos fez uma megaliquidação. Do meio-dia da quarta-feira, até às 15h, da sexta-feira, a rua foi tomada por famílias inteiras que passaram a noite na fila. Via-se de tudo, cadeiras de praia, garrafas de café, pessoas jogando baralho, dominó, comida, cobertores, até barracas de camping. Cada um que quisesse ser o primeiro a entrar na loja e comprar barato. 

Nessa noite, houve uma sensação de segurança e tranquilidade na rua. Aquela multidão que queria comprar produtos com até 70%, como anunciava a loja, dava à rua uma cara de habitável, segura e com vida, coisa que normalmente não tem. Passando pela calçada junto da multidão, que somavam mais de 500 pessoas dos dois lados da rua, lembrei-me do livro de Jane Jacobs, “Morte e Vida de Grandes Cidades”.

Para a autora, as ruas das cidades seriam mais seguras se as cidades não fossem planejadas para apenas uma finalidade, se tivessem prédios diferentes, de idades diferentes e funções diversas, fazendo com que em diversas horas as pessoas fossem a esses locais levando vida e dando organicidade às ruas. Olhando aquela festa, concordei com a norte-americana.

Fiquei apenas com pena das meninas que tiveram um dia de folga compulsória, pois como que os carrões iriam parar e contratar um serviço diferenciado na frente de mais de 500 curiosos que só queriam um desconto na boca do caixa?

sexta-feira, janeiro 06, 2012

Convite para um açaí


Ele não teve coragem de dirigir-lhe a palavra.  Apenas deu um leve sorriso no qual mostrou as borrachinhas do aparelho, passou os dedos entre os cabelos encaracolados e observou que ela usava um adesivo colorido de uma escola da moda, sobre a sobrancelha esquerda, o que indicava que havia passado no vestibular. Ela parou por um momento. De súbito, tirou o fone de ouvido como se a música tivesse parado.



Quando olhou para trás, observou que ele tinha uma tatuagem de um sol no tornozelo direito, quase encoberta por uma tornozeleirra de coro. Ela seguiu sua a caminha em volta do Açude Velho. Ela em direção horária; ele, anti-horária. Quando chegou  em frente à Korpus, ela notou que ele a procurava entre as pessoas. Deram mais uma volta. Encontraram-se novamente em frente ao Bar do Cuscuz.



Dessa vez, os dois entreolharam-se e baixaram a vista de modo sincronizado. Olharam para trás e perceberam fizeram o mesmo movimento. Discretamente voltaram a olhar para frente. Ele tirou o celular do bolso e conferiu a hora: 17h35min. Daria outra volta. Precisava rever aquela loirinha de olhos verdes penetrantes. Passou a mão novamente entre os caracóis dos cabelos, como se quisesse penteá-los e sorriu.



Ela ficou imaginando como seria seu nome, o que fazia da vida, deveria ser do litoral, nunca o vira em Campina Grande. Aqueles cabelos com as pontas mais claras, a bermuda de tactel e a pele bronzeada, apontavam que deveria ser de uma cidade litorânea, mas qual? Como seria o sotaque? Como seria sua voz, o que fazia ali? Estava absorta em suas conjecturas, quando o telefone toca. Um amigo de cursinho para parabenizar pela aprovação no vestibular. Diminui o ritmo da caminha.



Ele ficou imaginando como seria o nome dela. Para qual o curso teria passado? Tinha cara de área de Saúde, Medicina? Odonto? Teria Medicina na Estadual? Será que ela se interessaria por um músico? Pensou tanto que nem percebeu que já estavam vizinhos ao Monumento à Bíblia. Ficou feliz em saber o nome, pois ouvira a dizer “quando eu vi Larissa Campos de Almeida, primeira entrada de Psicologia,  dei um grito que assustei os moradores do meu prédio”.



Ótimo! Sabia seu nome e o curso. Quando terminou a ligação ele ainda a olhava. Dessa vez, aproximou-se e disse “oi”. Sem ter o que dizer mais, seguiu. Ela não sabia se era alegria de ter passado no curso que queria e nunca tinha recebido tantas ligações em um único dia em todos seus 18 anos e seis meses, sentiu-se imensamente feliz. Uma felicidade diferente. Será que, realmente, a vida dela estava mudando e ela nem percebeu?



 Achou a voz mais bonita do mundo. Encantou-se. Não deu nem tempo de dizer “oi, posso saber seu nome?”. Seguiu a caminhada. Ao chegar perto de onde era a Caranguejo, olhou para o leste, por cima da Fiep,  e viu uma lua linda! Era um sinal? Uma leve brisa soprou seu rosto e assanhou seus cabelos. Esqueceu-se até do cheiro ruim que vinha do açude. Ficou procurando-o na multidão, olhando de longe se via a bermuda branca.



Entre o Museu dos Três Pandeiros e o Monumento a Luiz e Jacson parou, estava exausta. Fingiu alongar-se enquanto esperava que ele passasse por ali. De costas para o Museu, sentiu sede. Percebeu que estava cansada e queria beber algo, esquecera-se de trazer dinheiro para comprar qualquer coisa. Olhou para o chão e viu uma sombra que bruxuleante se aproximava. Quando virou, era ele. Tremeu. Com um sorriso tímido e conquistador, novamente deu outro oi e perguntou se poderia oferecer-lhe um açaí. Não sabia de onde tinha vindo aquela ideia. E se ela pensasse que ele era um troglodita?



-- Ah, desculpe meus maus modos. Meu nome é Vinícius. Sou de Recife, vim passar o Réveillon aqui com a família, então aproveite para caminhar no famoso Açude Velho, afinal vou passar um bom tempo por aqui. Acabei de passar para Música na UFCG.  Você é Larissa, ouvi você dizer. Não sabia de onde vieram tantas palavras de uma só vez.



Larissa aceitou o convite e os dois dirigiram-se para o Açaí. Vinícius olhou para as águas calmas do açude que refletia uma lua destorcida, enquanto uma garça voara e pousou próxima ao CUCA.  Místico que era, ele olhou para a tatuagem, para lua e nos olhos verdes de Larissa, com a luz forte que vinha do poste, pareciam duas brilhantes esmeraldas. Ela sorriu o sorriso mais encantador que ele já vira em toda a vida.



Atravessaram a rua e sentaram-se à mesa próxima à calçada, não dava para ouvir nada, mas a conversa estava interessante. Falava de interesses comuns e de seus futuros nos curso escolhidos. A maior coincidência: ela era de Petrolina e tinha o mesmo sobrenome. A noite estava chegando, um carrinho de som passou tocando Make You Fell My Love”, de Adele.



quinta-feira, janeiro 05, 2012

A falta de ética de um professor semideus


 

Primeira aula do ano. O professor entrou na sala, fez alguns comentários sobre o Réveillon da capital e ironizou a queima de fogos no Açude Velho em Campina. Perguntou se alguém havia ido ver. Como já havia feito piadas sobre o assunto, quem admitiria publicamente que esteve no açude assistindo à queima de fogos?

 

Ao conjugar o verbo "caber" na primeira pessoa do indicativo, mais uma vez, ele voltou a falar da comilança no final do ano, mencionando que as pessoas engordam muito nessa época. Brincou dizendo que se houvesse mais uma semana de festas, ele não caberia em duas cadeiras. A turma riu, porém, um riso amarelo pairou na sala, pois havia muitas pessoas acima do peso.

 

Ao discutir a função sintática da contração de preposições e artigos, o professor destacou a importância do artigo. Questionou um aluno se ele gostava "de loiras" ou "das loiras". Como o aluno respondeu "das loiras", incluindo cerveja, como enfatizou, o professor sarcástico disse que o estudante poderia procurar a Rua João Pessoa e encontrar "algumas delas", referindo-se às travestis que trabalham na região. Sem rodeios, a turma riu mais uma vez.

 

Aqui e ali, ele faz piadas sobre cidades pequenas, retratando-as como “atrasadas”, sem vida, quase uma “sociedade primitiva”. Aproveita para ridicularizar a Região Norte, usando como exemplo uma aluna de Belém. Em diversas ocasiões, utiliza incorretamente a colocação pronominal e a concordância para se referir às pessoas economicamente desassistidas. E ele o homem da distinção.

 

O ápice do absurdo ocorreu na última terça-feira. Segundo ele, uma aluna deixou um bilhete pedindo desculpas, alegando não gostar desse tipo de piadas, por achá-lo chato e até grosseiro. No entanto, ela foi à igreja e teve uma revelação, sentindo a necessidade de pedir desculpas ao professor. Assim fez, deixando um bilhete na instituição onde leciona, sem querer ser identificada.

 

O cursinho, talvez sem saber que o professor repreenderia a aluna, identificou a pessoa como uma loira, sem mais detalhes. O professor, piadista e conservador, começou descrevendo o conteúdo do bilhete, ironizando o credo da moça e a forma como ela teve a revelação. A turma ficou dividida: risos de um lado e constrangimento de outros, especialmente dos muitos evangélicos presentes.

 

Para finalizar, com muito sarcasmo, afirmou que quem deveria pedir desculpas era ele, pois não sabia que ela não gostava de humor, sugerindo que ela era uma pessoa mal-humorada. Com falta de ética e educação, ainda usou o clichê de que "nem o Salvador agradou a todos", imaginem ele. Ressaltou que sua função não era agradar a ninguém, mas sim ensinar o que os alunos NÃO SABIAM. Seria ele uma espécie de salvador da ignorância alheia? Mal sabe ele que naquela turma há pessoas graduadas em Letras e outros que não suportam piadas de mau gosto, embora não expressem isso por medo de represálias.

 

Então, qual seria o motivo de ele continuar fazendo essas piadas? Espero que a instituição de ensino não concorde com esse tipo de posicionamento. O cursinho não pode permitir que isso ocorra, nem deixar que os alunos se sintam constrangidos devido à conduta "conservadora" e antiética de um professor.


segunda-feira, janeiro 02, 2012

Como transformar uma mentira em verdade


1h15min, um forte estampido ecoou apartamento adentro e barulho de vazamento. Acordo atordoado pensando que fosse alguma coisa ou alguém dentro de casa. Levanto-me para me certificar se tinha sido alguma coisa no apartamento que passávamos o final de semana em João Pessoa. Quando olhamos para a rua, descobrimos que tinha acontecido uma forte batida de um Fiat Pálio prata em um tronco de árvore, o barulho de vazamento era do motor superaquecido.

Ficamos esperando as vítimas saírem do carro e torcendo que não tivesse ocorrido nada de grave com elas. O para-brisa do lado do motorista estava quebrado, mas não estilhaçado. Apenas com uma marca de impacto. O motorista levanta cambaleante e sai do carro, coloca a mão na cabeça para se certificar se não sagrava, olha o estrago do carro novamente. Frente completamente destruída, a uns trinta centímetros do troco onde bateu. Apenas uma pessoa no veículo. Nenhuma vítima grave.

Outra vez, o motorista leva à mão a cabeça, não apenas para se certificar se sangrava, porém com sinal e desolação. Não acreditava no acontecido. Ainda sem os chinelos e cambaleante, ele retira o celular do bolso e começa a fazer ligações andando de um lado para outro. Liga para um amigo, diz o que aconteceu fala um monte de palavrões, diz a localização da colisão e pede para que o amigo venha até o local do acidente.

A uns dez metros da esquina das Ruas Professora Maria Sales com a Izidro Gomes, vizinhas ao Mercado de Artesanato de Tambaú estava o motorista com o celular na mão ligando para outro amigo e contando o sinistro. Novamente alguns palavrões como se esses fossem interjeições. Ao ver o primeiro amigo, José Mário, assim o interlocutor o chamava, começou a relatar o que aconteceu (nosso apartamento era no primeiro andar e pela janela ouvíamos tudo).

De acordo com o motorista, que descobrimos cambaleava não pelo impacto da colisão, mas por estar alcoolizado, vinha em alta velocidade cochilou e bateu no tronco, não deu para frenar. Quando abriu os olhos já estava com a frente do carro no que tinha sido uma árvore. Não usava sinto de segurança por isso a colisão de sua cabeça no para-brisa. Se o carro tinha air bag não funcionou.

O primeiro amigo começou repreender o condutor. Dizia que já tinha pedido para ele ir para casa dormir, mas teimoso que era, “se achando o machão, o forte” não aceitou.  Deu no que deu. Agora ele precisava de alguém para assumir que estava dirigindo, pois, por estar embriagado, o seguro não cobriria os prejuízos. O condutor disse que o carro era da mãe e que o seguro estava no nome da irmã, mas àquela hora, perto de 1h30min da manhã, não iria ligar para a titular da apólice.  Não a incomodaria. O amigo mais uma vez o repreendeu, dizendo que ele preferia ter o prejuízo a contar para a irmã. O condutor não sabia o número da seguradora. Ligou para o serviço de informação, de seu celular. Deram-lhe o número ele ligou para o reboque. O amigo insistia na versão de outro motorista.

Nesse ínterim, chega um segundo amigo. Ele conta a mesma versão do sono, alta velocidade e embriaguez. Parecia que eles estavam bebendo antes, pois o primeiro amigo contou que o tinha visto “alterado” e o havia mandado embora, mas o condutor não aceitou e “deu nisso”. Insistia em ter que chamar uma pessoa sóbria para assumir que conduzia o carro. Começaram a discutir alto. Ligamos para a polícia e informamos o ocorrido. 

O telefonista fez um monte de perguntas, queria saber a localização exata do acidente, quantas pessoas estavam envolvidas e que tipo de carro, o que eles diziam na discussão. Como eles estavam muito próximos de nós poderiam ouvir o que eu falava. Preferi desligar a ter que ficar respondendo ao policial.

Uma amiga que estava hospedada no quarto ao lado foi ao nosso e começou a falar que ligássemos para a polícia.  Eu disse que já tinha feito, mas liguei novamente, agora de outro telefone móvel e passei para ela. O policial que atendeu disse que já tinha sido informado e que a viatura estava se dirigindo para o local do acidente.

À 1h48min chega a viatura número 1048 do BPTRAN. Enquanto o policial falava com o condutor e o segundo amigo, o primeiro amigo do motorista tirava latas de cerveja e energético de dentro do carro, derramando-os num canteiro circular ao lado do Mercado de Artesanato, numa rápida eliminação de provas. Assim que o policial pediu documentos do carro e do condutor do veiculo este disse que conheci os superiores dos policiais e disse o nome do coronel.

Minutos depois de a polícia chegar, estaciona do lado do carro acidentado uma viatura da TV Tambaú, afilial do SBT. Saem do carro um repórter, um cinegrafista e o iluminador. Começam a fazer imagens das placas de identificação das ruas, da placa do carro envolvido no acidente e vão conversar com a “vítima” do acidente e com os policiais. Ao dar o depoimento para a Televisão e para a polícia o discurso mudou completamente.

Agora, segundo o condutor do veículo, ele foi trancando por indivíduos que vinham em alta velocidade. Para evitar danos maiores, inclusive com a própria vida, saiu da rota, subiu calçada e bateu na árvore. Nada de dizer que vinha em alta velocidade, sozinho, embriagado e sem cinto de segurança.

O policial tomou o depoimento, anotou a placa do veículo, certificou-se do endereço, conferiu as placas das ruas, pediu para o condutor assinar, cumprimentou-o, fez o mesmo com os dois amigos e foi embora, dizendo que ele fosse a um hospital, pois podia ter algum problema mais sério, visto que havia batido a cabeça e estava tossindo muito. Logo depois, a TV registrou a história de uma vítima de perseguição de trânsito, e os "meliantes" perseguidores evadiram do local. A encenação virou realidade televisionada, pois o repórter colheu as informações dos policiais, como manda as regras do bom jornalismo, ouvir os dois lados da história.

Em outro momento da história, o funcionário da seguradora fazia vista grossa enquanto o primeiro amigo retirava uma caixa de isopor com bebidas, algumas garrafas e latinhas que pareciam cerveja do porta-malas do carro da vítima e colocava no seu.

No final, o motorista irresponsável ainda pediu dinheiro para dar ao porteiro do Ed. Mar da Galileia, onde estávamos hospedados, pois ele tinha sido o primeiro a socorrê-lo e poderia ser testemunha, confirmando a história que foi ensaiada ainda ali na rua e propagada pela televisão, como se fosse a mais pura verdade: motoristas responsáveis sendo vítimas da violência do trânsito das cidades brasileiras, bárbaros sem educação (!) e marginais que os fecham nas ruas.