quinta-feira, setembro 30, 2010

Sobre adestramento de cães, fotos desfocadas, Doritos Nachos e chope




Para pessoas da minha geração, a tecnologia é a melhor aliada na resolução de problemas burocráticos. Internetbank, bankphone, caixa eletrônico, e uma parafernália de recursos que diminuem nossa necessidade de ir às agências bancárias e nos poupam das estressantes filas.

Devido à greve dos bancos e aos caixas eletrônicos vazios, tive que sair da universidade após um dia de estudo, atravessar a cidade e entrar na catedral do capitalismo e praça de serviços: o shopping center. Depois de dois ônibus e alguns esbarrões, cheguei lá para pegar alguns trocados e matar minha fome.

Optei por uma sopa deliciosa acompanhada de torradas salpicadas de orégano. Originalmente, desejava tomar um chope e papear sobre a vida, a nossa e a dos outros. Mas estava só, perdido na multidão. Enquanto saboreava minha sopa, li e-mails, ri de fotos engraçadas enviadas por um amigo paulistano, zombando dos corintianos. Estava prestes a sair quando vi uma imagem sorridente acenando para mim.

Era Ludmila, uma adorável ex-colega de trabalho, que se deliciava com um saco enorme de Doritos Nachos, acompanhada de um amigo que partiria para a terra da garoa no dia seguinte. Cumprimentaram-me educadamente e me convidaram a sentar-me com eles. Aceitei, contando-lhes sobre minha vontade de tomar o chope e tentando convencê-los a me acompanhar. Recusaram. Fui buscar por conta própria.

Dirigi-me a uma das lanchonetes e comprei apenas para mim. David, amigo de Lud, comprou dois refrigerantes da latinha vermelha, e voltamos à mesa. Lá, conversamos sobre quase tudo. Ele, adestrador de cães, falou sobre seu ofício, viagens, valores absurdos de refrigerantes e a saudade que sentirá de seu cachorro.

Eu, gaiato por natureza, comecei a fazer palhaçadas e contar histórias engraçadas. De repente, David olhou para Lud na direção da Estação de Jogos, perto da loja que tem o nome de uma ferramenta usada no beisebol, e disse algo digno de poetas: "Olhando assim para ti, já que estou sem óculos, te vejo como uma foto desfocada. Teu rosto está nítido, mas o fundo está todo desfocado." Rimos e tentamos filosofar sobre aquilo.

Lud, vestindo uma roupa preta com detalhes listrados, um par de brincos, batom discreto e um sorriso lindo, parecia uma modelo vintage. Voltamos a falar de outras coisas, trabalho, estilo de vida, morar em Sampa, e comemos mais salgadinhos. Depois de uma conversa agradável, voltei para casa para terminar um artigo mais leve, com a sensação de que existe vida real na praça de alimentação de um shopping e que um mundo só existe a partir das coisas simples e cotidianas, nada tributável e epistemológico.

Peguei o ônibus 092 e cheguei em casa após passar por seis agências bancárias com seus papéis autoritários gritando "Greve!". Sorri gostoso e agradeci aos bancários por terem entrado em greve, sem piquetes e assembleias, e por ter me deparado com companhias tão agradáveis.

segunda-feira, setembro 27, 2010

O Amargo Santo da Purificação: Marighella na rua

O SESC (Serviço Social do Comércio) apresentou, nesta segunda-feira, 27, no Parque do Povo, o espetáculo "O Amargo Santo da Purificação", da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, de Porto Alegre (RS). O palco do Maior São João do Mundo serviu de cenário para contar a história de um sonhador.

A encenação, que começou às 16h, narrou a história do revolucionário baiano Carlos Marighella, um dos principais líderes políticos comunistas que o Brasil já teve. O espetáculo inicia com uma espécie de arqueologia do guerrilheiro, trazendo à cena a sua herança genética. Apresenta a fusão da cultura de sua mãe, uma negra de origem haussás, conhecidos pela combatividade nas sublevações contra a escravidão, e de seu pai, um imigrante italiano vindo da Regio Emília, localidade com sindicalismo forte e pouco submisso ao poder central de Roma.

Com uma babel de cores, máscaras, sons, simbologia afro-brasileira e energia pulsante, os 26 atuadores deram vida ao personagem, contando também a história da repressão e horror que nosso país viveu durante o governo dos generais-presidentes. A performance é, como diz o prospecto da obra, “uma visão alegórica e barroca da vida, paixão e morte do revolucionário Carlos Marighella”.

E serviu para mostrar a fragilidade dos indivíduos perante o poder absolutista de um Estado Leviatã, que funciona como rolo compressor e esmaga as manifestações democráticas em nome de uma política hegemônica positivista, que não aceita contestação nem as diferenças, sempre em nome de uma ordem que não gera progresso.

Faltando uma semana para as eleições, espero que o espetáculo tenha servido para o público pensar naquilo que os governantes podem se tornar se não existir um povo consciente e livre para decidir seus rumos. Se, como picharam nos muros de Campina, “Marighella vive!” É importante que os sonhos de um país mais democrático e que respeite a diversidade estejam cada dia mais fortes. Como diz o próprio Marighella, em "Rondó da Liberdade",
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer. 
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão. 
Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas. 

Vida longa à liberdade! Vida longa à arte que nos liberta, nos emociona! Vida longa ao SESC, que traz espetáculos políticos como esses! Axé e avanti, cultura brasileira, híbrida e pulsante!


O horário eleitoral é um picadeiro



O horário eleitoral é um verdadeiro picadeiro. Dele emergem desde aqueles que se consideram os leões enjaulados, exibindo caninos afiados e discursos raivosos, até os que se imaginam donos do circo, incluindo muitos palhaços. Calma! Vou esclarecer. Segundo o dicionário, um palhaço é um ator ou comediante cuja intenção é divertir o público através de comportamento e maneirismos ridículos. Quem não ri com as “presepadas” do guia eleitoral?

O local de trabalho mais comum dos palhaços é o circo, mas também podem atuar em palcos, teatros ou como apresentadores de rua ou televisão. Muitos começam nesses ambientes e agora querem se transformar em “representantes do povo”, colocando narizes vermelhos nos contribuintes. Os palhaços modernos (postulantes a cargos públicos) se escondem por trás de discursos retóricos e demagógicos escritos por assessores que não têm a coragem de enfrentar a realidade.

Embora nem todos os palhaços possam ser facilmente identificados pela aparência, eles frequentemente aparecem pesadamente maquiados e fantasiados. Suas fantasias geralmente consistem em ternos escuros, gravatas bem talhadas ou roupas com cores características de seus partidos políticos e um número numérico de dois, quatro ou cinco algarismos.

Também costumam utilizar discursos de salvadores da pátria, citar passagens bíblicas, prometer o fim da fome, o fim da seca e muitos outros projetos mirabolantes. O mais curioso é que fico me perguntando: se esses bons homens já existiam antes de serem candidatos a um cargo eletivo e já eram gentis homens preocupados com a transformação da Paraíba e do Brasil, por que não fizeram nada antes? Por que não se uniram em prol de um objetivo comum para transformar o mundo?

Estou cansado de ouvir essas ladainhas a cada dois anos. Os que não conseguem um cargo estadual ou federal retornam dois anos depois com o mesmo discurso para os cargos municipais. O pior é que esses bons homens, que até se escondem por trás de uma religião ou de palavras sagradas, pregam tanto os valores cristãos e éticos enquanto atacam uns aos outros como se estivessem mirando no espelho televisivo.

Há quase três séculos, ocorreu a Revolução Francesa para separar o Estado da Igreja e transformar vassalos em cidadãos. Cidadania é respeitar direitos e honrar as liberdades individuais, não pregar discursos ultrapassados, homofóbicos, hipócritas e fundamentalistas religiosos.

Senhores, procurem entender o papel de um legislador. Agora eu entendo o motivo pelo qual o palhaço (pelo menos este assume seu desconhecimento da importância de um legislador) Tiririca resolveu se candidatar a um lugar no circo legislativo. Entendo, também, porque seus colegas de partido e de profissão (já que para muitos a política é profissão) o criticam. A crítica é porque o palhaço cearense é um espelho da situação política nacional. Tanto faz votar em um desses apregoadores da moral e dos bons costumes ou em Tiririca, pois, como diz ele mesmo, “pior do que está não fica”.

É muito difícil separar o joio demagógico do trigo de homens sérios que lutaram contra a corrupção, a pedofilia e os grupos de extermínio em nosso próprio estado. É difícil dizer que esses políticos, que ainda nos orgulham de tê-los na Câmara Federal, devem ser votados, pois estão em partidos de palhaços, ridículos e enganadores, apenas para engrossar a sopa de letrinhas que se transformaram essas instituições capengas e desacreditadas pela maioria dos brasileiros: os partidos. Esses partidos rachados pelos próprios membros que querem apenas os holofotes do picadeiro.

Peço a todos os eleitores que não comprem ingresso para esse espetáculo, não votem no menos pior, não votem naqueles que estão em primeiro lugar nas pesquisas. Votem apenas naqueles em que acreditam. Se não existem, têm uns botões de cores e funções características para tal fim. Não deixem esses palhaços fazerem na vida pública o que fazem na privada.