segunda-feira, abril 08, 2013

Não façamos na vida pública o que fazemos na privada




Como todo mundo nascido no interior no fim da década de 1970, o contato com o telefone não era frequente. Ainda na década seguinte o aparelho estava presente nas casas de uma pequena elite. Os orelhões eram raros. Em uma cidade como a minha, com menos de 10 mil habitantes, não havia telefone público nas ruas. Isso só foi acontecer na década de 90.

 Nas casas onde havia telefone (mais cara que um carro, pois a linha era comprada como ação da Telebrás e demorava horrores para chegar), havia uma sala específica para o aparelho. Existia uma mesinha, acompanhada com cadeira de veludo e uma agenda com os poucos números anotados. No disco do aparelho, uma trava que não permitia ligações desnecessárias. A chave era escondida.

Os postos de serviços telefônicos eram a salvação dos mais pobres. As ligações eram avisadas por mensageiros. Ali faziam e recebiam ligações e pagavam por minuto. Os diálogos eram mantidos nas cabines de conversa quase em sussurros. Eram rápidos, pois muitos também queriam conversar com os parentes distantes. Falava-se o essencial e baixíssimo.

A intimidade das conversas se assemelhava aos temas tratados nos confessionário. Ninguém bradava aos quatro ventos o que fazia ou deixava de fazer, muito menos as intimidades. Vontade de falar sobre isso com os esposos/as, namorados/as e noivos/as ausentes não faltava, mas eles sabiam que estavam em público.

Com a privatização do Sistema Telebrás, em 1998, o telefone se popularizou e as pessoas perderam a noção do ridículo. Nos dois anos seguintes, já havia pessoas com celulares gritando aos quatro ventos o que faziam ou deixavam de fazer. Depois os aparelhos e mal educados foram tomando a praça, a igreja, os cinemas e as salas de aula.

Hoje, contam suas intimidades, aos berros, nos bancos, nos transportes públicos, nos corredores das universidades. Não há mais controle. Já ouvi e vi esses finos donos do mundo atenderem seus aparelhos nas salas de cinema, no teatro e nos templos, como se fosse o mais corriqueiro dos comportamentos sociais.

Esses dias voltando de minha caminhada, quando passei por uma rua no centro de Campina Grande e uma jovem conversava (possivelmente com seu namorado) e narrava detalhes do que fariam quando ele chegasse.

Na sacada do terceiro andar do seu prédio ela descrevia as preliminares com a maior naturalidade.  Ia falando com uma voz sensual que parecia o telessexo de antigamente. Em minha frente, para um jovem rapaz e ficou a ouvir aquela conversa. Ao sair do local, tive a suspeita que o rapaz começou se acariciando prestando atenção àquele coito verbal.


A jovem continuou a história como se nada acontecesse. Uns  300 depois metros eu ainda a ouvia falar. Ria alto e chamava o interlocutor de safado com a mesma naturalidade que fazia quando estavam entre quatro paredes. Para ela a rua era sua cabine prive; a sacada o tempero da relação.

Um comentário:

  1. Lendo o seu texto bateu saudades da Telpa aqui em CG... Mas, além desse problema que você citou há ainda um outro: qdo o povo, no ônibus, usa o celular como sendo um carro de som e todos os passageiros são obrigados a ouvir uma música que, na maioria das vezes, é incômoda.

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