Desde criança, ouço falar que o
Departamento Estadual de Trânsito (Detran) é a sucursal do inferno, uma bagunça
total e onde ninguém se entende; que os funcionários são assim, que o serviço
funciona assado e que é bom evitar aquele “antro”. Sempre achei que fosse
exagero, mania de brasileiro de reclamar de tudo que é serviço público.
Tive o desprazer de comprovar,
hoje, após iniciar o processo de minha carteira de habilitação, que tudo que
foi dito ainda é pouco para descrever o Detran de Campina Grande. Primeiro de
tudo: o local é mal sinalizado, falta informação e o serviço de pré-atendimento
é realizado por autoescolas. Os astutos em negociação reinam no pedaço e
conseguem coisas muito mais rápido. Segundo: os funcionários, há exceção,
trabalham como se tivessem com raiva do universo e você fosse o responsável por
ele estar assim.
Ao entrarmos naquele campo de
guerra, havia uma fila enorme para se tirar fotos, mais de 50 pessoas para
serem atendidas. Um aviso dizia “só atendemos 80 pessoas para o exame
oftalmológico”. Noutro que está escrito “SENHAS AQUI”, não é lá que se retira as
benditas fichinhas numeradas.
O representante da autoescola
foi pegar os recibos em ordem em uma máquina de autoatendimento, distante do
guichê que estava escrito “SENHAS AQUI” e pediu que esperássemos ser chamados
na tela acima dos sete guichês, com apenas dois funcionários atendendo.
Uma funcionária com seu coque e
cara de mal humorada era o arquétipo do barnabé padrão. Enfunada em seus
óculos, recebia os papéis com ponta de dedos e conferia a hora em seu relógio.
Eu estava com a ficha 075.
Quando chegou à 034 o “sistema caiu”. Um funcionário começou a berrar que só
atenderia reteste. Não disse se o bendito programa voltaria ou ficaria como os
funcionários, rodando de sala em sala. Umas cinquenta pessoas foram embora se
queixando que o “sistema tinha caído novamente”. Duas autoescolas levaram seus
clientes.
O tempo foi passando,
passando... quase duas horas depois, o sistema volta. O mesmo funcionário, que
não explicava o motivo da “queda”, começou a chamar as senhas. Outra atendente
chegou para substituir a do coque. A última havia indo embora, saiu às 10h e
poucos minutos. Nós que havíamos chegado por volta de 8h fomos sair depois de
12h apenas para nos cadastrar, tirar as fotos e colher as digitais.
Esta última etapa foi bem rápida
e a funcionária era sorridente. Tirou a foto com uma câmera digital moderna.
Para a coleta das digitais, usou um escâner moderno e um suporte também digital
para colher nossa assinatura.
Antes de sair, presenciei uma
discussão de uma funcionária do departamento com um senhor sexagenário, como
disse. Ela queria furar a fila e colocar um protegido seu antes dos outros. Ele
não aceitou e houve bate-boca. Outra funcionária acalmou os ânimos.
Aqui ali, alguém dizia que havia
recebido uma proposta de pagar R$ 1.400,00 e receber a carteira sem nem fazer
os testes. Um colega de empreitada disse que tinha recebido a proposta, não de
um funcionário, para ter sua habilitação por um pouco menos que isso, só não
aceitou porque ainda achou caro, “mas se tivesse o dinheiro teria topado”, pois
ficar naquela fila e tomar uma maçada daquelas...
Não é de se estranhar que nas
ruas o trânsito seja o caos que é. Se o departamento de trânsito é essa
bagunça. Saí de lá com a seguinte constatação: o número de autoescolas e
despachantes prolifera cotidianamente porque ninguém quer passar por maçadas assim.
Se a burocracia é daquela forma, não se admira que tanta gente use do jeitinho
brasileiro para conseguir sua carteira de habilitação.
Se as regras de trânsito e a
legislação devem ser aprendidas para manter a civilidade, na realidade das ruas
“a democracia e o bom senso ali requeridos se invertem, e a maioria descobre,
sob pena de ser sistematicamente agredida ou perder a vida”. As ruas pertencem
aos que estão dentro de seus respectivos veículos ou montados em suas motos. O
resto é perfumaria.
É crucial obter sua carteira rapidamente, fazer uma prece ao sair de casa e, como afirmou Roberto daMatta, “Fé em Deus e pé na tábua”. Salve-se quem puder. Isso explica por que o trânsito se torna essa máquina implacável. A civilidade fica apenas no papel; na prática, as estatísticas de morte e mutilações resultantes de motoristas que aceleram, independentemente da fé em Deus e de como conseguiram a carteira, falam por si mesmas.
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