sábado, novembro 06, 2010

Todos podemos ser fazendeiros, donos de ilhas e milionários


Tenho percebido um fenômeno engraçado: ferramentas do Orkut que simulam a vida cotidiana. Quase diariamente, recebo as atualizações de amigos virtuais usando esses aplicativos. São pessoas urbanas, sem nenhum vínculo com o meio rural, transformadas em fazendeiros. Outras, tornando-se donas de ilhas inteiras com direito a castelos à la Caras.

Recebi a atualização de uma amiga, em matéria de cozinha não consegue nem ferver uma água, que havia se tornado barista (especialista em café). Outra virou uma Jacques Léclair de saias e estava prestes a participar da Semana de Moda de Paris.

Estão, como diz Canclini, atrás de um “enfeite para comprar e decorar seu apartamento: cerimônias "selvagens", símbolos de viagens exóticas a lugares remotos. As praias ensolaradas e as danças indígenas são vistas de maneira igual. O passado se mistura com o presente, as pessoas significam o mesmo que as pedras”.

E nesse mundo, tem gente que se realiza nas passarelas, tornam-se magnatas do ramo imobiliário, administradores e clientes de resorts caribenhos, com águas quentes e límpidas, com cartões de crédito sem limite, para encher o guarda-roupa e mudá-lo a cada estação, cumprindo a profecia do consumo.

Nessa corrida, há os voyeurs: observando o que os outros estão usando, mesmo que virtualmente. Mas há também os exibicionistas: cada novidade que aparece vão experimentar e mostrar para os ‘vizinhos’ como são modernos, cults e pioneiros. Desbravadores com obstinado bom gosto para as coisas do mundo.

O jogo reproduz, inconscientemente, o mundo real. O consumo ostensivo é apenas um desses costumes. As pessoas consomem para mostrar que são diferentes dos outros porque têm poder de compra. As distinções sociais nascem daí. Uns se distinguem dos outros por consumir certos tipos de produtos e frequentam certos lugares.

Uma colega me disse esses dias: “eu usava muito a minifazenda, mas todo mundo agora usa, perdeu a graça”. É como ir a Camboinha. Antes, o ônibus não chegava lá, não tinha ‘farofeiro’. Era um ambiente cult. “Hoje é cheio de pobres e sujeira”. Não presta para os veranistas da alta roda. O jeito é ir a Pipa, Canoa Quebrada...

Sou de uma geração que tomar Liebfraumilch, o vinho da garrafa azul, era chique. Vinho importado. Tomei pela primeira vez em 1993. No ano seguinte, em sua primeira viagem de avião, um amigo tomou Almaden. Fiquei com inveja. Depois, descobrimos que não eram bons, vinhos vagabundos comparados aos Concha y Toro e Bordeaux, sem ao menos termos experimentado estes.

Enquanto nosso bolso não pode comprar os produtos na vitrine do mundo, enquanto não chegamos aos postos de trabalho cultuados pela mídia, só nos restam os aplicativos das redes sociais para fingir que somos chiques.

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