Não há como fugir. Existem momentos na vida em que ficamos angustiados e precisamos decidir. Enquanto a decisão não nos vem num insight, temos que descobrir aquilo que queremos. Ninguém pode escolher. Não importa o que o melhor amigo, o analista, o tarólogo ou sua mãe sugira. É um deserto pessoal que precisamos atravessar. Muitas vezes, ele dura mais que os quarenta dias de Cristo.
Como Borges, acredito que a vida é um "assombro contínuo, uma contínua bifurcação do labirinto". Ao seguir nossa odisseia pessoal e uma bifurcação aparece, escolhemos. Temos medo de trilhar uma das veredas do enorme (de)sertão que é viver quando estamos em crise. É a crise, com tudo que ela carrega, que nos põe diante do espelho e pergunta: "vai continuar com a covardia?" Tentamos dormir e nossa cama aumenta, o travesseiro encolhe. Em vez de sonho; pesadelo. Acordamos e temos medo de encarar o mundo.
Na prática é assim: dormimos com ideias e acordamos com atitudes ou deixamos a vida correr. Há dois anos, estava em crise. Fui a um curso de autoconhecimento para "me descobrir" e corrigir defeitos, pois entendia que tinha muitos. Lá chegando, sentamos e começaram as queixas: "Minha mulher é muito difícil", outra cortava, "eu tenho um parente complicado". Isso se seguiu por três semanas. O inferno eram os outros. Como reconhecia minhas culpas, na quarta semana zarpei.
Não posso dizer que não foi importante. Foi e muito. Descobri que meus problemas eu tinha que os resolver para viver melhor com os outros. Quando chegamos perto de pessoas que realmente têm problemas, é que vemos que os nossos são um capricho, um egoísmo. Muitos de nós achamos que o mundo, inclusive as pessoas ao seu redor, foram criadas para nós e apenas para nós.
Assim sendo, quando buscamos um amor, dizemos que buscamos alguém que nos faça feliz. E nós, de que forma, contribuímos para a felicidade alheia? Quando fazemos esses questionamentos, percebemos que os relacionamentos são vias de mão dupla. Precisamos renunciar um pouco de nossas vontades, exigir menos atenção e ser a força que o outro precisa. Isso acontece, também, com nossos parentes.
Se não temos um coração cheio de amor e limpo de mágoas, oferecemos um ombro amigo, companhia para um filme, para uma refeição, para algumas taças de vinho. Como diz Shakespeare, não podemos exigir o amor de ninguém, apenas dar boas razões para que gostem de nós e ter paciência para que a vida faça o resto.
Quando estamos seguros, os problemas são menores. Crises passam. O problema do trabalho e os erros alheios não nos irritam. Começamos a enxergar o outro com suas virtudes e o que podemos fazer juntos, ao invés de olhar os defeitos. Descobrimos que defeitos todos têm, mas as qualidades são mais importantes, e ficamos felizes.
Viver só é perigoso quando estamos sós. Quando estamos seguros, nos lançamos ao mar, pois navegar é preciso e os ventos só ajudam àqueles que não têm medo das tormentas. Estar acompanhado não implica ter encontrado o grande amor de sua vida, mas o amor pela vida.
"Viver só é perigoso quando estamos sós." Adorei seu ponto de vista, de certo modo nos enquadra... pelo menos a mim...
ResponderExcluirBelas palavras Zélio Sales.
ResponderExcluirQue bom seria se as pessoas usassem deste ponto de vista como interpretação para viver a vida.
Parabéns pela produção!
vc escreve muito bem ,amigo!!
ResponderExcluirParabéns!