terça-feira, abril 24, 2012

A difícil tarefa de descrever o que pensamos




Escrever não é tarefa fácil. Tenho um grande amigo que escreve para a posteridade. Fica a esmerilar seu texto como um escultor renascentista, burila uma palavra, cinzela uma preposição e pula um pronome, tira o excesso de uma sentença. No final, o texto fica perfeito.

Eu escrevo para não morrer, mesmo sabendo que cada palavra é uma parte de mim revelada ao mundo. Vivo e me dispo ao mesmo tempo. A palavra estando escrita e lida não volta atrás. Cada verbete é uma fresta de minha alma. Por mais que eu venha aqui e apague, modifique, corrija o que escrevi errado, a frase estará viva na memória do primeiro que me leu e prestou atenção ao meu erro e me julgou a partir de suas experiências. Como ele não vai voltar para ler, eu serei aquele que erra, o que não soube valorizar uma sentença.

Escrever texto acadêmico é mais complicado ainda. A gente vive no liame entre a tolice total e o melindre absoluto. Criticar o texto de um acadêmico é criticar sua vida, sua pesquisa. É, na verdade, uma agressão. Poucos são os que aceitam críticas. A academia é um panteão moderno, no qual os mais simples se acham semideuses.

 Gostaria de escrever com a facilidade que meus colegas pensam que escrevo. Tenho inveja de Dráuzio Varella. Quando li “Estação Carandiru”, disse a mim mesmo que um dia escreveria como ele. Ainda não consigo. Comprei a tríade de um professor que promete facilitar a vida de quem vai ler, escrever e apresentar artigos científicos. Os argumentos são interessante. Mas na prática, a teoria é outra. Até hoje não tirei as rodinhas de minha bicicleta dissertativa.

No texto acadêmico, tenho que dizer a coisa com um léxico científico, cheio de palavras-chave que devem descrever o mundo, com um ritual estranho à forma de pensar. Exigem-nos uma objetividade que não existe, escrita de uma forma direta? No entanto, como escrever desse modo se não penso assim? Meu pensamento está mais para uma hipótese que considerações finais.

Estou, há meses, espremido entre meu computador e meu cérebro. Às vezes, acho que não há comunicação entre o primeiro e meus dedos. Percebo que entre o pensamento que brotou em minha cabeça e o que leio no computador há uma imensa diferença, mas não consigo colocar de forma clara o que pensei.

Quem chegar aqui em casa verá o chão colorido. São livros, apostilas, rascunhos e roteiros para o processo de escrita. Duvido dos primeiros, acho estranho o que está nas segundas e nunca sigo os últimos. Os livros estão cheios de apontamentos, as apostilas têm mais tinta verde do evidenciador que a usada para a impressão. E neste arco-íris caleidoscópico que está o chão de meu quarto, tenho a impressão que não vou atingir o que quero.

 Antes, quando eu não conseguia escrever, ia dar uma caminhada e saiam textos legais. Agora, nem com música de relaxamento e incensos sai algo que se aproveite. Estou preso em 18 páginas que não se completam. Escrevê-las tem sido como entrelaçar os fios da tapeçaria de Penélope: durante o dia, eu escrevo, e à noite, secretamente, num ato de desaprovação total, apago.

 Quando eu escrevia textos jornalísticos, sabedor que são para virar papel de enrolar peixe, não os esmerava tanto. Não que eu os escrevesse de qualquer forma. Mas não esperava a inspiração. Também não lia tanta gente, discordava de tantos e não sabia se o que escrevia estava ruim. Escrevia como o operário que faz sua construção: tinha uma tarefa a cumprir.

Hoje, no fim da tarde, ou tarde da noite, pois quem escreve não bate cartão, termino meu turno e não vejo algo concreto. É angustiante. Olho para um papel e o acho interessante, leio outro e acho contraditório. Nem com um lindo e-mail que recebi de meu divo, como diz uma amiga, tive inspiração para escrever. 

Um dia escreverei como Rubem Alves. Será? Já tinha prometido escrever como Varella.

Não vejo a hora de voltar a escrever o que me dá prazer e alegria. Quero escrever coisas da vida, com jeito de gente, como penso, tortuosamente e de modo ingênuo como um menino que encontrou pedrinhas coloridas e quer brincar com elas como se fossem bolas de gude.